Por que “Vingadores: Guerra Infinita é um filme conservador? – E você nem percebeu!

As análises mais recentes de Vingadores: Guerra Infinita trouxeram um alto grau de satisfação acerca do filme, apesar do final controverso. Com muitos enfoques em como os Irmãos Russo conseguiram fazer uso da fórmula Marvel e ainda assim trazer um filme com elevada carga dramática e – finalmente – um vilão memorável e aterrorizante, além dos números altíssimos da bilheteria, vemos que as análises se ativeram muito nesses aspectos. No entanto, e curiosamente, foi um post do Facebook* que me abriu os olhos para me mostrar que, muito mais do que um filme de puro entretenimento, Vingadores: Guerra Infinita carrega em si uma carga de valores heroicos, um tanto quanto “arcaicos” para a modernidade, apesar de trabalhar as falhas propriamente humanas presentes em seus personagens. 

Valores e questões arcaicas, já batidos, e um pouco conservadores. E, ao falar de Conservadorismo, não me refiro ao ideário tão anexado ao senso comum de hoje, ou ao ensino dos críticos que lecionam na academia, mas algo mais próximo a teóricos conservadores (como Chesterton, Roger Scruton, João Pereira Coutinho e até C.S. Lewis, por exemplo). E, apesar de valer-se a importância de que “Vingadores” não se propõe a fazer uma crítica filosófica-política-social-profunda, a própria estrutura e motivação dada aos personagens possibilita essa mesma leitura. 

Bem vs Mal 

Comecemos pelo mais óbvio. No filme, vemos os Heróis, majoritariamente bondosos, e um Vilão, majoritariamente maldoso, que teriam objetivos opostos (destruir x manter, matar x salvar…). Mas, para tanto além da obviedade, lembremo-nos que, pouco antes do lançamento de Liga da Justiça, estava correndo a moda no gênero de filmes de herói o uso de conflitos entre os maiores nomes das franquias (Batman V Superman, Guerra Civil – dentro da própria Marvel -, Transformers – que, para quem não se lembra, trazia nos trailers um embate entre o Optimus Prime e o Bumblebee), além de uma tentativa de “humanizar” personagens, reduzindo o grau de suas virtudes e amplificando suas falhas. 

Em Guerra Infinita, no entanto, a perversidade dos objetivos e a ameaça de Thanos provocam a necessidade do surgimento de Virtudes proporcionais pelos protagonistas. Não há mais rixas por traumas antigos; a proteção de um objeto não vale mais do que a vida dos seus companheiros (e, apesar de o Dr. Estranho ter visto várias possibilidades de futuro, a única que não terminava em derrota era a que ele dava a joia em troca da vida do próximo e se sacrificava). Apesar de haver as claras falhas de personalidade das personagens – que, inclusive, geram piadas e momentos hilários – as virtudes têm a necessidade de se sobressair e, nesse ponto, vemos o Conservadorismo também florescer na história. No Cristianismo, por exemplo, é sabido que o homem já nasce com as suas falhas, porém, pode lutar para ser melhor ao se trabalhar as virtudes e os seus dons e é exatamente essa curva que vemos acontecer com cada personagem; Aristóteles também acreditava que se podia adquirir virtudes com o hábito e a prática, e no filme vemos exemplos claros disso: seja com Wanda e Visão que se escondem e mentem para os companheiros no início, seja com o Dr. Estranho que protegeria a joia a todo custo, seja com Bucky voltando à luta, seja com o Patriota de Ferro que antes se submetia às vontades dos governos – ou até mesmo a ação inesperada de Loki, no início do longa. 

Nesse ponto, podemos prosseguir em reflexão: não é a Lei – tema já discutido em Guerra Civil – que os faz lutarem, tampouco a vontade de proteger quem amam, apenas, mas uma espécie de moralidade que está inerente ao homem. Um desejo interior e mais intenso que qualquer senso de autopreservação. O heroísmo aqui não é só retomado como maneira de conservar a vida humana como conhecemos, bem como última instância da possibilidade de salvamento da humanidade, e só conseguimos perceber isso porque, apesar de todas as falhas, as virtudes são necessárias e, da mesma maneira, só é possível percebê-las como tal, porque há uma noção bem trabalhada do que é o Bem, e do que é o Mal, sem relativismos – mesmo com a noção acinzentada da imperfeição humana. 

C.S. Lewis, em seu livro “A Abolição do Homem” traz argumentos que comprovam a existência de uma moral objetiva, que não é influenciada por egoísmo/sentimentalismo ou um “racionalismo puro”, e a ideia de sacrifício é um de seus exemplos mais claros sobre isso: se a moral estivesse ligada puramente instinto humano, e houvesse alguma hierarquia dentre esses, o instinto de sobrevivência própria provavelmente seria o maior. Sendo assim, o homem um egoísta, haveria um impedimento em de agir em prol dos outros; já, se acredita-se que a moral é totalmente racional, e que se deve agir pela “sobrevivência da espécie” – que só será vista na posteridade e, muito provavelmente, só será concretizada após a própria morte da própria pessoa -, por que eu, parte da mesma, devo me submeter à morte? Como o próprio Lewis diz, não há nenhuma relação lógica capaz de comprovar essa espécie de “imperativo moral”, a não ser uma moral objetiva anterior ao homem:  

“A enunciação ‘A preservação da sociedade depende disso’ não pode levar ao imperativo ‘faça isso’, exceto se for mediada por outra enunciação, qual seja: ‘a sociedade deve ser preservada’. Da mesma forma, ‘Isso irá custar a sua vida’ não pode levar diretamente a ‘não faça isso’: somente pelo intermédio de um desejo ou por um reconhecido dever de autopreservação. O Inovador tenta chegar a uma conclusão de teor imperativo a partir de uma premissa de teor indicativo, e, mesmo que siga tentando por toda a eternidade, não vai conseguir, pois seria impossível.” (C. S. Lewis)

Revolução vs Conservadorismo 

Thanos é um revolucionário, ponto. Essa assertiva não pode ser negada, uma vez que o conceito de revolução prevê uma mudança drástica de tudo aquilo que se vivia anteriormente ao momento da mesma. Ademais, sua visão de mundo, muito aproximada do pensamento Malthusiano, acaba por ser revolucionária. Apesar do grau de aleatoriedade contido nos seus planos, e diferentemente das aplicações revolucionárias conhecidas por nós (na qual apenas “saem do plano” os que são contrários à revolução, afinal já diria Marx que “As classes e as raças, fracas demais para dominar as novas condições de vida, devem ceder.”), não há motivos para a exclusão do seu discurso e dessa sua característica. 

Os heróis, nesse ponto, tentam conservar a Terra (e todo o universo), enquanto Thanos busca moldá-la da forma que vê como certa ideologicamente falando, superando a todas as leituras com o seu modelo preconcebido (Aqui se faz necessária a conceituação da ideologia, como sendo uma visão estritamente relacionada e influenciada por questões político-sociais, que servem como uma base doutrinária para um tipo de “movimento”, enquanto o Conservadorismo, por sua vez – e tal como explica Roger Scruton – se aproxima mais de uma Filosofia-Política, que busca uma maior proximidade com uma Verdade). Dessa forma, a visão do Titã Louco é a de que não há salvação fora da sua ideologia e, se não houver um controle populacional, as sociedades entrarão em colapso e falirão por completo. Sua visão de si mesmo e da sua revolução, de certa perspectiva, pode ser vista como heroica (tal como as visões revolucionárias veem a si mesmas), no entanto, seus resultados são contraditórios (tal como também já o vimos acontecer no decorrer de nossa história). 

Podemos também recorrer a João Pereira Coutinho, que em seu livro “As Ideias Conservadoras”, traz uma definição bem simples e direta do Conservadorismo ao mostrar que ser Conservador é querer Conservar aquilo que há de bom na sociedade atual, valendo-se dos meios presentes, e ser resistente a mudanças demasiada abruptas que, normalmente, vêm acompanhadas de respostas rápidas. E, ao falarmos de atual, vale-se regra para os dois lados: revolucionários geralmente são utopistas do futuro, enquanto reacionários veem no passado o paraíso na terra, de modo que, no filme, percebemos, de certa forma, esse caráter mais conservador – e não revolucionário ou reacionário –  dos protagonistas. 

Vida vs Morte 

A partir disso, podemos prosseguir nas motivações de Thanos e dos heróis com maior afinco. Vemos que o dualismo está presente, principalmente no que concerne a Vida e a Morte. O Titã Louco não é um vilão sem sentimentos e apenas dotado de pura maldade. Ele acredita piamente em si mesmo, e de que faz um bem ao universo. Inclusive, ele não só é capaz de amar, como ama. No entanto, sua visão tão ligada à sua ideologia e afastada de uma moralidade objetiva o faz perder o vínculo com a realidade, o tornando capaz de assassinar mesmo aquela que é alvo do seu amor para atingir sua meta. 

A vida, para Thanos não chega a ter valor maior que sua ideologia, porque, apesar de acreditar que suas atitudes são para um bem maior, é perceptível que essas não conseguem nem reduzir um mal menor. A contradição de salvar para matar, que nesse caso foge de qualquer possibilidade de legítima defesa, revela a insanidade do vilão e como a necessidade de um “freio conservador” – metáfora adaptada por mim advinda de um trecho do livro “O Que é Conservadorismo?” De Roger Scruton)** –  venha e resista não só às ideias do Titã, mas às suas ações, fato que, inclusive, pode ser notado numa das falas mais marcantes e repetidas no filme e que defendem um dos maiores valores objetivos da humanidade: “Nós não negociamos vidas”. 

Dessa forma, vemos que a dualidade heroica, apesar de ser simples (mesmo que considerada por muitos como simplista), ainda pode apresentar e apresenta vários níveis de profundidade, mesmo repetindo a fórmula Marvel e a fórmula “batida” de bem contra o mal, com personagens virtuosos, apesar de humanizados, não sendo algo tão aparente, e também não se demonstrando tão intencional da parte dos diretores. No entanto, é inegável que essa leitura é mais que plausível. 

Por fim, deixo-vos com uma reflexão, proposta por Chesterton, que, curiosamente, tem quase cem anos e se encaixa perfeitamente na motivação de Thanos, que já é um dos vilões mais marcantes da história do cinema: 

“A resposta a qualquer um que diga a respeito do ‘excesso de população’ é perguntar-lhe se ele mesmo é parte desse excesso de população, ou se não é, como sabe que não é?” (Introduction to “A Christmas Carol”, 1921.). 

 

*Link do post do Facebook: https://www.facebook.com/photo.php?fbid=10216953736298178&set=a.1845142370845.111146.1309222803&type=3&theater 

**Em seu livro, Scruton afirma que o Conservadorismo geralmente surge quando a sociedade entra em momentos de crise, muito por conta de um progressismo (ou um liberalismo) desvairado. 

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