Análise: Star Wars Episódio VIII: Os último Jedi – uma fagulha de bondade

“O verdadeiro soldado luta não porque ele odeia o que está a sua frente, mas porque ele ama o que está atrás.”
(G. K. Chesterton)

O novo Star Wars é exatamente isso: novo. Trazendo grande enfoque em Rey, Kylo Ren e Luke, (e apesar de ignorar um pouco outros personagens que poderiam ser mais bem explorados como Finn, Poe ou Snoke), o longa funciona muito bem. Diferentemente do seu predecessor, Rian Johnson teve grandes momentos de ousadia, o que nos faz perceber os novos rumos que a franquia irá tomar sem, no entanto, abandonar a essência do que são as Guerras nas Estrelas. E, falando em essência, não poderia faltar a disussão em torno do bem e do mal, da natureza das guerras e, principalmente, do homem.

Desde o período de divulgação do filme, foi-nos passado que nesse filme veríamos uma noção menos maniqueísta da força, uma ideia bem próxima a um grey jedi, que poderia acabar com as fronteiras do lado da luz da força e o lado negro. Isso realmente pode ser notado em alguns pontos, como a conexão estabelecida entre Kylo Ren e Rey, bem como em um planeta todo de grandes ricaços da galáxia que financiam a guerra – não só para um lado, mas para ambos, transformando tudo em um grande negócio –, no entanto, o próprio filme mostra que ainda há uma fronteira a separar um lado do outro.

Essa imagem um tanto quanto acinzentada – e um pouco relativista do mundo, por assim dizer – é muito bem apresentada no personagem de Benício del Toro, o breakcoder. Nele, notamos que viver por muito tempo imerso nessa noção de” liberdade”, flutuando para além do bem e do mal, com foco na satisfação apenas das próprias vontades e necessidades,  se moldando de acordo com as situações sem um senso objetivo de certo e errado, torna cada vez mais difícil o reconhecimento dos efeitos e a responsabilidade sobre elas – sejam para o bem, ou para o mal.

Inclusive, é exatamente nessa fronteira cada vez mais apagada que percebemos como o mal se aproveita da ingenuidade e da fraqueza da dúvida para ampliar o seu domínio – muito bem demonstrado em um dos momentos mais marcantes do longa. A omissão do bem é tão nociva quanto a ação do mal – teria a omissão e o exílio de Luke permitido que Snoke tomasse o coração de Ben Solo? Felizmente, no filme, apesar de haver essa “ingenuidade”, é a ação do bem que faz a diferença para suprimir o “lado negro”, apesar de deixar a pergunta anterior e tantas outras mais em aberto.

As consequências, por outro lado, são muito bem abordadas pela película: cada ação tem uma sequela, seja sair por aí explodindo coisas, seja bater em retirada para poupar combustível – ou vidas. É mostrado o peso da responsabilidade de um líder sobre os seus soldados, os outros heróis – principalmente os mortos, os que não recebem um nome. E nesse jogo de atitudes e seus – inesperados –  efeitos temos um  vislumbre da complexidade da guerra e dos caminhos humanos.

“O verdadeiro soldado luta não porque ele odeia o que está a sua frente, mas porque ele ama o que está atrás.”, Chesterton disse uma vez e já mostramos. Mas, no filme, quem quase parafraseia Gilbert Keith em um dos seus momentos mais tensos é uma das personagens estreantes: Rose. E essa frase resume a diferença entre o lado negro do lado bom da força, a Resistência e a Primeira Ordem: o ódio, o medo, a tristeza, a ganância versus a busca do equilíbrio, da paz, da bondade, da caridade etc. E, apesar de todos sabermos que o homem é muito além de uma definição “quadrada” e de reconhecermos melhor a nossa bondade em proporção ao quão mal sabemos poder fazer, são as ações que determinam diretamente em que caminho você se encontra – e mesmo que o mal combata o próprio mal, uma vez que há a falha elementar que impossibilita sua perpetuação, este não deixa de ser um mal ou não deixa de se transformar em um mal pior.

E para auxiliar no reconhecimento e nas ações, um dos personagens mais queridos da franquia – não cito nomes para evitar spoilers – nos reforça a necessidade e importância da tradição. “Somos anões montados em ombros de gigantes” afirmou há quase um milênio Bernardo de Chartres, e esse personagem em específico do filme reforça que os pupilos devem realmente montar nos ombros de gigantes e aprenderem tudo que já foi passado e aprendido, inclusive as falhas. Principalmente as falhas. Para que, reconhecendo isso, saibam como agir nas mais diversas situações e nas complicações que o universo pode proporcionar.

Nesse discernimento lembramos que as questões mais importantes sobre a  vida atingem tanto os Jedi e o lado bom quanto os Sith e o lado negro: a morte, por exemplo, aqui retorna também como tema latente: o que antes para Anakin vinha como fuga, em Os Últimos Jedi vemos uma tentativa de aniquilação do passado, para que surja um modelo novo, revolucionário, sem as fronteiras já explicitadas, que, porém, tal como já exposto, serve mais como perpetuação do mal. No entanto, em um extremo oposto a essa noção da morte, lembramos dos sacrifícios por aqueles que desejam o bem – muito mais que serem reconhecidos ou se tornarem lendas – em um verdadeiro ato de virtude como também das mortes de Jedis como Yoda ou Obi-Wan, que vêm como um sopro amigável, sem sofrimento, ou mutilações externas e internas.

Dessa forma, o filme, que ainda conta com a trilha sonora de John Williams, sempre marcante, e a fotografia de Steve Yedlin, com cenas excepcionais e momentos que são dignos de se tornarem quadros – como a batalha no planeta de solo salino e terra vermelha que nos faz lembrar de todo sangue derramado no combate entre o bem e o mal –, consegue fazer um bom trabalho, trazendo uma identidade própria e nova para a franquia, mas respeitando e trazendo em si toda a Força de Star Wars.

Star Wars: Os Últimos Jedi é uma faísca que acenderá uma chama, com certeza.

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