Leituras #36: O Morro dos Ventos Uivantes, de Emily Brönte

Autora: Emily Brönte
Editora: Zahar, 2016
Tradução: Adriana Lisboa e Maria Luiza X. de A. Borges
Páginas: 376

A traição e a violência são facas de dois gumes: ferem mais aqueles que as manejam do que seus inimigos.

A vida é um jogo de força? Um jogo de poder? Ou seria a vida a junção entre uma luta de forças e poderes frente aos amores e afetos do mundo? O Mundo apresentado por Emily em O Morro dos Ventos Uivantes nos mostra como a relação entre vingança, poder e amor nem sempre é muito clara e que, muitas vezes, aquilo que une as pessoas pode ser uma trágica forma de vida que, ao mesmo tempo em que aniquila, é a única capaz de dar sentido.

O Morro dos Ventos Uivantes, de Emily Brontë, conta a história de Heathcliff, irmão adotivo de Catherine Earnshaw, que resolve, após a morte de seu patrão, tomar conta da casa em que foi acolhido, e se vingar de tudo que sofreu durante sua vida. Heathcliff, humilhado, rejeitado e maltratado, resolve, aos poucos, tomar posse dos bens daqueles que o cercam e, posteriormente, mantém suas vidas sob seu controle. No entanto, a simbiótica relação com Catherine transforma essa relação de vingança em um caminho de obsessão que levam vidas e seres aos seus limites. Nesse morro em que um vento uiva, duas casas e muitas vidas estão em jogo e todas elas parecem estar no limite do que se poderia chamar humano: entre a dor e a morte. O Morro dos Ventos Uivantes é um campo magnético, de força. É uma história de amor. Mas não só.

Pode-se ver no livro de Brönte uma série de camadas de significação, uma espécie de cebola literária, em que, ao procurar o iceberg – aquilo que seria uma “essência” – nos perdemos e nos encontramos, como numa ponte invisível, em nós mesmos. Heathcliff poderia facilmente ser uma dessas camada que se (nos) revela, mas ele é ao mesmo tempo alvo e reflexo, espelho e imagem: aquele que emite e aquele que sofre. Enquanto isso, as demais figuras, como a empregada Nelly, Earnshaw, passando pelos os Linton e chegando nessa figura chamada leitor seriam, em última instância, os agentes que movem a obra.

Qualquer que seja a substância das almas, a minha e a dele são feitas da mesma coisa.

Se Heathcliff é, ao mesmo tempo, monótono, na medida em que sua figura é sempre simples em sua contradição essencial: uma mácula que quer gerar sofrimento, sofrendo, as demais figuras da obra tentam, como estratégia de vida escapar desses tentáculos. No entanto, todas elas acabam, como na cebola, intricados em um interior inescapável, montado e conduzido pelo destino. Enquanto alguns tentam viver, Heathcliff, enquanto substância essencial da obra, constrói o que se chama vida.

No entanto, ao seu lado, como um duplo, é preciso ressaltar a imagem fantasmagórica de Catherine Earnshaw. De gênio forte e ímpeto incontrolável, ela faz frente a seu parceiro de amor e ódio, numa relação quase espiritual. Suas matérias, como marcas literárias inseparáveis, surgem para compor a equação shakespeariana, ou o duplo de Fausto, ou, quem sabe até, as falhas trágicas gregas.  E assim eles se juntam:

E o que não me faz recordá-la? Não posso olhar para este chão, pois seus traços estão impressos nas lajes! Em cada nuvem, em cada árvore…enchendo o ar à noite, e vislumbrada em cada objeto de dia…Estou cercado pela sua imagem! Os rostos mais comuns de homens e mulheres, meus próprios traços, debocham de mim com alguma semelhança. O mundo inteiro é uma terrível coleção de recordações de que ela existiu, e de que eu a perdi!

O Morro dos Ventos Uivantes, de Emily Brontë é uma das melhores obras de todos os tempos e sua matéria é escrita no tempo em que as grandes histórias cabiam em grandes tempos. As forças compunham-se de matérias enormes, de paixões impossíveis e impassíveis. Um livro essencial para todas as gerações e para todos os tipos de leitores. A pergunta que fica é:  o que eu vejo – em mim – quando leio esta obra? Um caso a se pensar.

 Leia as melhores frases da obra:
https://jornalnota.com.br/2016/11/09/11-melhores-frases-de-o-morro-dos-ventos-uivantes-de-emily-bronte/

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