O escritor Mario Vargas Llosa completa 80 anos de vida. Um dos maiores escritores latino-americanos vivos, o autor peruano é um ponto fora da curva na literatura ibero-americana. Um dos poucos a não apoiar os regimes de esquerda e ser, muitas vezes, visto como um conservador, o fato é que Vargas Llosa é um grande republicano e democrata que dedicou sua vida a arte e ao pensamento. Premiado com o Nobel de Literatura em 2010, o autor de Pantaleão e as Visitadoras, sempre deixou clara suas influências: primeiro, o existencialismo de Sartre, depois a força da escrita de Faulkner, chegando até ao poder dos Sertões de Euclides da Cunha.
O NotaTerapia fez um apanhado de sua vida/obra década a década, desde seu nascimento, através de informações retiradas do site El Comercio. Confira:
Década de 40: A literatura de sua época
Em 1936, ano do nascimento de Mario Vargas Llosa, o presidente Óscar R. Benavides convocou eleições. O vencedor foi Luiz Antonio Eguiguren, porém o general anulou o resultado, tratando de acusar o candidato de haver feito um acordo com o APRA (Associação Popular Revolucionário Americana), até então fora da lei. Assim, o general se manteve no poder e estabeleceu um duro regime través do lema “ordem, paz e trabalho”. Frente a essa obscuridade política, a literatura brilhou sob a influência do indianismo, o que daria início à literatura mderna. O tema da problemática dos índios apareceu em 1920 com os contos de Enrique López Albújar e se consolidou mais tarde com os romances de Ciro Alegría: “A Serpente de Ouro” (1935), “Os Cães Famintos” (1939) e “Grande e Estranho é o Mundo” (1941) . Esta corrente alcançou sua máxima expressão na obra de José María Arguedas.
“Sem ficções, seríamos menos conscientes da importância da liberdade para que a vida seja vivida e do inferno em que ela se transforma quando é pisada por um tirano, uma ideologia ou uma religião.”
Década de 50: os anos de formação
O governo de Manuel A. ODría, chamado de “oncênio (1948-1956), estava marcado por uma profunda corrupção, cooptação das instituições públicas, manipulação de lei eleitorais, espionagem e repressão, vícios que Vargas vai refletir em Conversa na Catedral, 13 anos depois de terminado o regime. Julio Ramón Ribeyro teria feito isto antes com “Los gallinazos sin plumas” (1955) e Enrique Congrains com o romance “No una, sino muchas muertes” (1957).
Os anos 50 foram os anos de formação do escritor, militante do Partido Comunista em São Marcos em 1953 e leitor voraz de uma literatura influenciada pelas vanguardas, o modernismo anglo-saxão de Joyce e o ambiente rural americano de Faulkner. Em 1959, com apenas 23 anos, publicou “Os Chefes”, o mesmo ano da revolução cubana, ponto de partida, em muitos sentidos, de todo o que aconteceu desde então na América latina.
“Por vezes eu pensei se escrever não era um luxo solipsista em países como o meu, onde há escassos leitores, tantas pessoas pobres e analfabetas, tanta injustiça, e onde cultura foi o privilégio de alguns poucos. Essas dúvidas, no entanto, nunca asfixiaram o meu chamado, e eu sempre continuei escrevendo mesmo durante os períodos em que me sustentar absorvia a maior parte do meu tempo.”
Década de 60: Cuba e o compromisso político
Em 1962, em Paris, Vargas Llosa esteve a ponto de cometer uma loucura: entrar para a Legião Estrangeira: “teria sido o maior absurdo da minha vida”, confessou mais tarde. Quem sabe se não teria lhe tirado do “boom” latino americano no mercado editorial e literário desta década, quando o trabalho de um grupo de autores relativamente jovens foi amplamente distribuído pela região como Gabriel García Márquez, Julio Cortázar, Carlos Fuentes e o jovem autor de “Batismo de Fogo”, publicado em 1963.
No entanto, esta também é a década em que surgiu a crise ideológica de um escritor antes comprometido com o socialismo e a revolução cubana. Em 1966, em Cuba foram criados campos de concentração para prender, junto com os deliquentes comuns, homossexuais e opositores ao regime. Neste mesmo ano, estourou o escândalo com a prisão do escritor Heberto Padilla e sua esposa em um recital de literatura.
Consternado, Vargas Llosa escreveu a Fidel Castro e logo foi até a ilha com Julio Cortázar. Fidel reconheceu que havia cometido alguns abusos e os dois fizeram as pazes. Porém, algo havia quebrado na relação entre o escritor e a revolução cubana. Em 1968, foi testemunha da Primavera de Praga e seu final com a invasão dos tanques russos. Uma experiência que marcou definitivamente sua mudança ideológica. Vargas Llosa optou por Camus frente a Sartre e descobrir os pensadores liberais como Karl Popper e Isaiah Berlin.
“Nenhum escritor digno desse nome escreve romances só para fazer propaganda de suas convicções políticas. A literatura fica muito deformada se for julgada somente pela ideologia de seu autor.”
Década de 70: Novos anseios ideológicos
No período entre 1971 a 1984, Vargas Llosa manteve sua proeminência literária, porém converteu em inimigo de seus antigos camaradas políticos. E enquanto rompia no Peru com a ditadura do general Velasco, se acerbava gradualmente sua disposição pelo liberalismo.
Em meados da década de 1970, a repressão militar se tornou mais violenta em toda america latina, com atrocidades como as de Pinochet no Chile e Videla na Argentina. Mesmo assim, o governo de Fidel Castro perdeu grande parte de sua credibilidade e o entusiasmo revolucionário foi se dissolvendo para muitos. A arte refletiu isso, com muitos dos autores do “boom” utilizando temas da ditadura em seus romances, principalmente Llosa que a todo momento reivindicava a liberdade como algo mais importante que o poder. Em 1976, inclusive, ocorreu o célebre soco em Gabo.
Vargas Llosa diz: “é importante que a arte exista!”
Década de 80: Líder do Liberalismo e protagonista da política peruana
A época do experimentalismo literário e das grandes metáforas coletivas que haviam marcado as ideias estéticas e políticas do “boom” estavam por chegar a seu fim com a chegada dos anos 80. em 1981, Vargas llosa publicou A Guerra do Fim do Mundo que refletia a radical mudança de suas convicções ideológicas. O tema da liberdade se converteu em uma cruzada pessoal contra os fanáticos de todo tipo. Assim, o poder ideológico que distorcia as mentes se torou tema recorrente em seus ensaios e conferências.
Em geral, os autores do “boom” adotaram um estilo mais realista e convencioal, em concordância com o clima geral da época. Viciado por futebol, Vargas Llosa se tornou o mais lúcido e divertido colunista esportivo no Mundial da Espanha em 1982 e anos depois não pode deixar de ser jurado de um concurso de beleza no Peru. Em sem país o que viu foi que, sem cessar, o terrorismo e o desespero ainda se impunham. Em 1983, foi nomeado como presidente Fernando Belaunde, e o escritor encabeçou as pesquisas da comissão investigadora de Uchuraccay, povoado em que foram encontrados oito jornalistas mortos.
Em 1987, Vargas Llosa se tornou líder político ao tomar frente contra a nacionalização do sistema financeiro decretado pelo governod e Alan García. Fundou o movimento Liberdade e se apresentou como candidato a presidência do Peru pela Frente Democrática em 1990.
“A literatura é extremamente útil por ser fonte de insatisfação permanente, o que cria cidadãos descontentes. Às vezes, nos torna mais infelizes, mas também mais livres.”
Década de 90: Derrota eleitoral e retorno para os livros
Assim que perdeu as eleições para Alberto Fujimori em 1990, Vargas Llosa voltou para Londres, onde retomou sua atividade literária. Neste mesmo ano, no México, qualificou o sistema político mexicano como uma “ditadura perfeita”, governo então nas mãos do Neo-liberal Caros Salinas.
Em 1992, se tornou um inimigo ferrenho do regime de Fujimori frente ao autogolpe de 5 de abril. Um ano depois, obteve a nacionalidade espanhola sem perder a peruana. Em 1994, ganhou o Prêmio Cervantes.
“O desaparecimento do intelectual significa também o desaparecimento das ideias e da razão como um fator central da vida social e política. Hoje em dia, as ideias foram trocadas pelas imagens, que são mais facilmente manipuláveis. Isso é uma grande ameaça para a democracia, pois uma sociedade com escassez de ideias tem suas instituições sob forte risco.”
Década de 00: Corpo e Testemunha
A inquietação global de Vargas Llosa se intensificou com as viagens aos cenários de conflito no Iraque e na Palestina. Em 2003, foi testemunha da guerra e da ocupação militar americana que derrubou a ditadura de Saddam Hussein. Ali recolheu diversos relatos das pessoas que aguardavam uma estabilidade política que não chegou até hoje.
Dois anos depois, viajou para Israel e Palestina para observar a saída dos colonos de 21 assentamentos israelenses da faixa de Gaza. Ainda que defenda a existência de Israel e seu direito de defender-se do fanatismo, o escritor foi um duro crítico do governo de Israel pelas suas políticas na questão palestina.
“A boa literatura mantém viva a consciência crítica de uma sociedade.”
Década de 10: O Nobel e muito mais
Horas depois de receber o Premio Nobel, o escritor foi enfático em declarar a impressão que o galardão não ia transforma-lo em estátua. De fato, seu aniversário de 80 anos tem sido vivido intensamente. Desde a Fundação Internacional para a a Liberdade que influi na agenda mundial, buscando o fortalecimento das instituições democráticas e a defesa da e uma sociedade aberta. Depois do prêmio da Academia Sueaca, publicou os romances O Herói Discreto (2013) e Cinco Esquinas (2016).