“Dias Felizes”, de Samuel Beckett, explora com ironia mordaz, o frágil equilíbrio entre o contentamento e o desespero. Neste clássico do século XX, a condição humana é exposta com brutalidade e sarcasmo, revelando como nos agarramos a rituais e memórias para suportar a passagem do tempo.
Sob a direção de Paulo de Moraes (vencedor em 2024 dos Prêmios APTR e FITA por “Brás Cubas”), a montagem ressignifica a jornada de Winnie (interpretada por Patrícia Selonk), explorando a fina camada que separa o otimismo da resignação.
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Enterrada até a cintura – e depois até o pescoço – Winnie encontra em seus pequenos rituais a última linha de defesa contra o colapso. Entre o sino estridente que pontua seu dia como um despertador sem trégua e o sol impiedoso que derrete qualquer noção de tempo, ela se apega ao conteúdo de sua bolsa espaçosa: uma escova de dentes, um batom, um espelho – e, mais ameaçadoramente, um revólver.
Willie, seu companheiro enigmático e silencioso, é interpretado em dias alternados por Felipe Bustamante, Isabel Pacheco e Jopa Moraes. Na montagem da Armazém, Willie não é apenas um espectador passivo da decadência de Winnie, mas um parceiro de cena improvável – ora cúmplice silencioso, ora um lembrete incômodo de que até a solidão pode ter companhia.
“Beckett definiu Winnie como “um pássaro com óleo em suas penas”, uma criatura do ar condenada a uma existência terrestre. Sua luta não é apenas pessoal, mas também coletiva. Se, no passado, a paisagem desolada da peça remetia à catástrofe nuclear, hoje ela ressoa com a paisagem ressecada do aquecimento global. A crise existencial do eu se funde à crise da espécie – e talvez do planeta”, comenta Paulo de Moraes.
Na montagem da Armazém, o humor ácido de Beckett ganha relevo, revelando-se nas repetições obstinadas de Winnie, em seu otimismo inabalável diante do absurdo e na própria mecânica implacável do tempo. Entre o riso e a ruína, a peça constrói um jogo cruel e fascinante, onde cada palavra dita ressoa como um eco entre a esperança e o delírio.
O novo espetáculo da Armazém Companhia de Teatro estreia dia 3 de abril, quinta-feira, no Espaço Armazém, sede da companhia na Fundição Progresso, e fica em cartaz até 17 de abril.
Dias Felizes, de Samuel Beckett
Direção: Paulo de Moraes
Elenco: Patrícia Selonk (Winnie), Felipe Bustamante, Isabel Pacheco e Jopa Moraes (Willie)
Local: Espaço Armazém – Fundição Progresso. Rua dos Arcos, 24, Lapa, Rio de Janeiro
Dias 3 a 17 de abril. Quintas, sextas e sábados às 19:30h e domingos às 19h
Ingressos à venda pela Sympla: R$ 80 (inteira) e R$ 40 (meia entrada)
Classificação indicativa: 14 anos
Duração: 75 minutos
Ficha técnica
Dias Felizes, de Samuel Beckett
Direção: Paulo de Moraes
Elenco: Patrícia Selonk (Winnie), Felipe Bustamante, Isabel Pacheco e Jopa Moraes (Willie)
Tradução: Jopa Moraes
Iluminação: Maneco Quinderé
Cenografia: Carla Berri e Paulo de Moraes
Figurinos: Carol Lobato
Música Original: Ricco Viana
Designer Gráfico: Jopa Moraes
Fotografias: João Gabriel Monteiro
Assessoria de Imprensa: Ney Motta
Pedras Cenográficas: Alex Grilli
Efeito Sombrinha: Paulo Denizot
Videografismo: João Gabriel Monteiro e Paulo de Moraes
Assessoria para Videografismo: Rico Vilarouca
Colaboração Artística: Lorena Lima
Produção: Armazém Companhia de Teatro