“Meu avô Tatanene”: Teresa Cárdenas, a carregadora de histórias

Teresa Cárdenas cria uma história sobre carregar e aprender histórias

Cada pessoa no mundo é uma carregadora de histórias. Usei a palavra “carregadora” porque acho que somos mais que guardiões que armazenam e mais do que transmissores que transmitem histórias. Somos carregadores porque as histórias nos faz, nos inventa, nos compõe e nos pesa aos ombros. Contamos quem somos porque buscamos dividir o peso com as próximas gerações, por isso viver é um eterno formar-se para formar outros e, depois, desformar-nos.

se eu tivesse minha outra perna, nenhum muro me impediria de ir buscar minhas recordações”

O nome dessa figura nas histórias da África Ocidental é um “griot”, cuja função é manter viva a história de seu povo, narrando eventos do passado e registrando eventos do presente. Teresa Cárdenas, em seu romance Meu avô Tatanene escolheu que sua “griot” não seria uma pessoa mais velha, mas o oposto, uma criança ainda com os olhos puros diante do mundo.

Do que fala o Meu avô Tatanene?

Meu avô Tatanene, de Teresa Cárdenas, publicado no Brasil pela Editora de Cultura, com tradução de Caio Riter, conta a história da menina Reglita, de 12 anos, que vive com sua família numa cidade de Cuba. Ali, ela vive com seu pai, sua mãe e seu avô, até o dia em que seus pais decidem que seu avô vai ser enviado para um asilo. Seu avô, um homem forte, é descrito como:

Era muito escuro, escuro como essas noites em que a gente não enxergar nem as estrelas. Como os bonitos sapatos de Mamãe, como as letras dos meus livros, como eu mesma, porque, de toda a minha família, sou a mais parecida com meu avô.
“Somos duas gotas de água de um mesmo aguaceiro”, costumava dizer, para me fazer sorrir.
Era bonito.
É assim que eu me lembro de vovô.”

Diante da revolta e da recusa do avô em ir para o asilo, Reglita vai começar a entender o que se passa no mundo dos adultos. De um lado, um tio alcoólatra, mas de bom coração, que é incapaz de cuidar da própria vida. Do outro, seus pais, vivendo com dificuldades e buscando uma vida mais tranquila para seu avô. Enquanto isso, seu avô sonha com Simbao, seu tataravô originário, nascido no Congo e trazido para ser escravizado em Cuba. Tatanene gostaria de, um dia, voltar para a África e conhecer a terra de Simbao.

Leia também: Artista recria obras clássicas com personagens negras como protagonistas

De volta à realidade, e uma vez no asilo, o avô de Reglita vira uma espécie de espectador de histórias e Teresa Cárdenas passa a nos mostrar uma série de vidas, corpos, histórias, alegrias e tristezas e homens negros cubanos, filhos de ex-escravizados, que passam seus últimos dias entre o encanto de uma vida possível e as tristezas de um passado difícil, afinal,

as coisas da vida são como trens, mais cedo ou mais tarde, acaba, passando.”

Reglita, com sua perspectiva infantil, reencanta o mundo dos mais velhos dando a eles toques de griot, essa figura que mantém viva as histórias porque faz delas partes integrantes de quem somos. E nós passamos a ter a responsabilidade de fazer essa história dizer algo para outros também. Só assim a literatura será infinita.

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Separei algumas obras de arte citadas durante o livro para conhecermos mais da cultura cubana:

José Martín

José Martí foi um político nacionalista, intelectual, jornalista, ensaísta, tradutor, professor, editor, poeta cubano, considerado um herói nacional cubano por causa de seu papel na libertação de seu país da Espanha. Ele também foi uma figura importante na literatura latino-americana. Confira uma poesia:

Cultivo uma rosa branca

Cultivo uma rosa branca,
em julho como em janeiro,
para o amigo verdadeiro
que me dá sua mão franca.

E para o cruel que me arranca
o coração com que vivo,
cardo, urtiga não cultivo:
cultivo uma rosa branca.

Beny Moré

Virgen de Regla

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