Som da Liberdade: “Isso é feio demais para uma conversa civilizada”

O Som da Liberdade, dirigido por Alejandro Monteverde, com produção executiva de Mel Gibson e protagonizado por Jim Caviezel (Jesus Cristo em “A Paixão de Cristo“) se inicia com uma cena em plano geral ambientando o espectador seguido de um dolly in na personagem foco onde ela entoa um canto e utiliza dois chinelos e uma espécie de caixa de madeira para fazer percussão. Essa cena em especifico juntamente com a trilha melancólica já dá o tom do filme e nos apresenta qual tipo de história será contada.

A obra percorre em duas horas e quinze minutos sobre um assunto delicado, forte e repulsivo, porém, infelizmente, um velho conhecido. Não é novo assistir a um filme sobre tráfico infantil, nova é abordagem que o diretor escolhe para nos guiar, pois antes de tudo este é um filme de alerta. Em poucas palavras o filme se trata da realidade de Tim Ballard, um ex-agente do Departamento de Segurança Interna dos Estados Unidos que se vê impotente ao lidar com a prisão de pedófilos todos os dias e não resgatar uma vitima sequer. O que me incomoda em Som da Liberdade é a princípio é estar no centro um cidadão americano comum, pai de família, cristão e conservador que deixa sua família para cumprir seu papel de “herói”.

O enredo se baseia em uma missão específica descrita no livro escrito pelo próprio Tim Ballard onde ele se envolve pessoalmente com o caso de dois irmãos que são sequestrados e ao resgatar um dos irmãos, Miguel, ele resolve então ir para a Colômbia, ultrapassar seus limites como agente e fazer justiça por conta própria para resgatar a irmã de Miguel, Rocio. Aqui já podemos perceber um exagero e alguns transtornos narrativos. No filme existem pelo menos duas missões de resgate de Rocio que são prolongadas e um tanto apelativas, acredito que muito se entregou do enredo no design de som.

Apesar de ser sim uma história com potencial e se apoiar em fatos, a direção usa de artifícios para gerar emoção e se descuida na montagem do filme. Entretanto, no quesito de interpretação deixo um destaque para a atuação das crianças, que são reais, muito emotivas e nada exacerbadas. Mediante a toda polêmica envolvendo Som da Liberdade:, impossível não citar as supostas associações do filme a movimentos ideológicos, afinal, tudo é político e não é a toa que impactou na veiculação do filme que estava pronto desde 2018. Depois que a Disney comprou a Fox, o filme foi recuperado pelo produtor Eduardo Verástegui que ofereceu a Angel Studios, uma produtora bem menor e conhecida por seus produtos de cunho cristão, como a série “The Chosen”.

Sendo assim, Som da Liberdade passou a ser distribuído pela Paris Filmes e arrecadou cerca de US$ 183.2 milhões nas bilheterias. Considerando seu baixo orçamento, o filme surpreendeu a todos e claro que a grande comunidade evangélica teve sua participação na divulgação. Contudo, o enredo do filme não tem nenhuma ligação a qualquer religião ou sequer panfleta cristianismo de nenhuma forma. Não podemos considerar como evidências o fato do personagem Tim Ballard usar o nome de Deus em uma ou duas ocasiões quando ele fala sua famosa frase “os filhos de Deus não estão a venda” ou até mesmo quando ele recita o livro de Lucas Cap.17 Versículo 2 “Melhor lhe fora que se lhe pendurasse ao pescoço uma pedra de moinho e fosse lançado ao mar, do que fazer tropeçar um destes pequeninos.” ao dar voz de prisão a um dos criminosos dessa rede de tráfico. Isso apenas demonstra uma característica muito forte no personagem. Afinal, precisamos lembrar que estamos aqui avaliando uma obra cinematográfica e não a vida dos que deram vida a ela.

Na parte técnica da execução do produto devo ressaltar dois aspectos positivos, o primeiro sendo que como em nenhum momento se deixa explicito o que acontece com as crianças, fica encargo das movimentações de câmera e dos planos fechados, detalhes e closes para elucidar o que a imaginação do espectador permitir.

Um exemplo que posso trazer é a cena em que Tim pede para que Rocio feche os olhos enquanto ele entra em uma luta corporal com seu agressor. A escolha da montagem neste momento foi inteligente ao nos colocar no lugar de Rocio usando o fade toda vez que ela fechava os olhos, assim como o som ambiente de luta silenciosa e respiração ofegante demonstrando toda tensão que a cena merecia.

O segundo é a fotografia que não se deixou levar pelo mais fácil ao retratar os países da América Latina. Termino aqui apontando que a cena final onde Rocio já de volta a sua casa, em seu quarto, com o presente que ganhou de seu pai (um instrumento de percussão) nos mostra como a personagem passou por cima de seu trauma e não perdeu sua essência, entoando o mesmo cântico da primeira cena do filme agora em dolly out, um movimento que tem muito significado, indicando que ela é apenas uma das muitas histórias que existem e que nós não fazemos a menor ideia.

A obra tem como propósito trazer esse assunto a superfície e cumpre seu papel de alerta, mesmo que o protagonismo da trama se confunda ora com o heroísmo de Tim ora com a questão tema.

Veja o trailer aqui:

Related posts

“O Conde de Monte Cristo” (2024): adaptação do clássico de Dumas transforma vingança em romance melodramático

Projeto TransUFF retrata a vivência de pessoas trans no ambiente acadêmico

“Moana 2”: mergulha na ancestralidade e na importância da persistência, da família e do autoconhecimento