A encruzilhada, de Kossi Efoui: o teatro entre a prisão e a revolução

O palco é uma prisão. E isso poderia ser uma metáfora, mas não é. Trata-se simplesmente de uma constatação. Desde que se o teatro saiu das praças e foi se tornando cada vez mais encarcerado em si próprio, a caixa cênica se transformou na prisão de personagens que passam a ser dependentes, quando não reféns da própria estrutura da arquitetura teatral. Tanto é verdade que passamos o século XX inteiro tentando voltar para a rua com inciativas como performances, happenings e todo tipo de tentativa de explodir a caixa. Kossi Efoui coloca mais uma cereja neste bolo. Para ele, o teatro é também uma encruzilhada.

Um futuro é um vazio de tempo que a gente preenche de si mesmo.

A encruzilhada, do dramaturgo togolês Kossi Efoui, publicado em 2023 pela Editora Temporal com tradução de João Vicente, Juliana Estanislau de Ataíde Mantovani, Maria da Glória Magalhães dos Reis, é um texto dramatúrgico em que quatro personagens anônimos se encontram num espaço físico indeterminado e encarcerados dentro de uma história que precisam repetir e repetir indefinidamente. São eles Poeta, Cana, Mulher e Ponto. Ponto, no caso, é o próprio ponto da cena, figura que “sopra” as falas para o elenco. Mulher e Poeta são duas figuras que sofrem violências e opressões da autoridade representada por Cana.

Sem histórias muito claras, tudo que podemos saber é que todos estão atrelados a este regime opressor, que pode fazer referência à ditadura do Togo que fez com que Kossi tenha se refugiado na França, mas que também não se difere de nenhum sistema político e judicial, ditadorial ou não. Ao transferir o poder de oprimir à arquitetura e à linguagem, A encruzilhada pode e está falando de qualquer coisa, desde uma relação conjugal até um golpe de estado. Pelo menos é a impressão que fica ao lermos o texto. Como a política é tudo na dramaturgia, tudo e qualquer coisa também se tornam políticas. E partindo disso podemos refletir sobre o riso:

Dizia que só o sorriso é de verdade. Que a gente não pode sorrir de mentira. Que não se pode sorrir de maldade ou de cinismo. A gente faz uma careta. Isso e tudo.

Leia também: “A encruzilhada”, Kossi Efoui retrata vidas ressecadas pelo autoritarismo no Togo

E sobre o amor:

Eu te amo. Não sei porque te carrego no corpo. E meu corpo está ficando mais familiar pra mim desde que eu te respiro. Não sei quem você é. Eu te conheço tão pouco, mas te amo. (…) Eu não sei o que se olha através de seus olhos nem para o que sorri seu corpo. Mas sei que é mais longe que o mundo e seu medo. O mundo dos desertos. O mundo das ruínas, o mundo dos canas.

E nessa encruzilhada entre política, memória, história, amor, subjetividade e, principalmente, teatro que se faz esta peça que, se não nos mostra a saída pras prisões que criamos, pelo menos aumenta nossa indignação necessária para se fazer um mundo mais livre e revolucionário.

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