Grupo inaugura seu novo palco com a remontagem do premiado ‘Nossa vida não vale um Chevrolet’. O NotaTerapia fez uma entrevista exclusiva com o diretor Mário Bortolotto
Com 40 anos de trajetória, o grupo Cemitério de Automóveis inaugura sua nova sede, localizada na Bela Vista (na Rua Francisca Miquelina, 155), depois de ter fechado as portas do teatro, onde passou os últimos 10 anos, em janeiro de 2022. E a primeira peça a estrear no Palco André Ceccato, nome dado em homenagem ao grande amigo e ator do grupo, que morreu em julho de 2021, é a remontagem da premiada “Nossa vida não vale um Chevrolet”, escrita e dirigida por Mário Bortolotto.
“Nossa vida não vale um Chevrolet” foi encenada pela primeira vez no dia 30 de março de 1990, em Londrina, no Paraná. A estreia paulistana do trabalho aconteceu no dia 6 de agosto de 2000, como parte da Mostra Cemitério de Automóveis, que esteve em cartaz no Espaço Cênico Ademar Guerra, no Centro Cultural São Paulo.
Mário Bortolotto recebeu o Prêmio Shell de Melhor Autor do ano de 2000 por esse texto e, no mesmo ano, recebeu o Prêmio APCA de Melhor Autor pelo Conjunto da Obra. O espetáculo participou da edição de 2001 do Porto Alegre Em Cena e da edição de 2002 do Festival Internacional Palco e Rua de Belo Horizonte. A obra esteve em cartaz pela última vez em 2008.
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O NotaTerapia fez uma entrevista EXCLUSIVA com Bortolotto. Confira:
Luiz Ribeiro – O Cemitério de Automóveis vai fazer 40 anos de existência, né? Um grupo que vem fazendo teatro em períodos diferentes do nosso país, contando sobre pessoas marginais e marginalizadas. O que mudou no fazer teatral de lá pra cá? Ficou mais simples ou mais complexo?
Mário Bortolotto – Sempre foi difícil. Atualmente, ainda é mais, com um governo como o nosso, que parece ter verdadeira ojeriza a tudo que se relacione com cultura ou arte. Mas, acredito também que, em épocas como a atual, a cultura se faz ainda mais necessária para combater essa ideia vil de que a “arte” é desnecessária. E o fazer teatral para mim, por mais difícil que venha a ser, sempre foi algo muito prazeroso também.
Luiz Ribeiro – A nova sede do Cemitério de Automóveis vai ser inaugurada. Como é recomeçar mais uma vez, ter de remontar uma estrutura, voltar a trazer o público depois da pandemia e, principalmente, manter esse lugar de resistência – no melhor sentido do termo – que é: um teatro ter um espaço próprio, independente? O que a gente pode esperar do novo Cemitério?
Estamos sempre recomeçando. Não é algo novo pra mim. Já recomecei muitas vezes. Quem conhece o nosso trabalho, já sabe o que esperar. Eu nunca traí o que acredito e não pretendo mudar. Como eu costumo brincar “em time que está perdendo não se mexe” – Mário Bortolotto
Luiz Ribeiro – Eu estudei o Nossa Vida Não Vale um Chevrolet na faculdade de Teoria do Teatro. Na época, a professora Maria Helena Werneck deu uma matéria com título “filiações e bastardias de Nelson Rodrigues na dramaturgia brasileira”. A gente estudou você, o José Vicente, o Plínio Marcos e o Lourenço Mutarelli. Onde você coloca seu trabalho na história da dramaturgia brasileira e o que muda na remontagem desse espetáculo depois de anos?
Mário Bortolotto – Eu sou apenas mais um dramaturgo escrevendo teatro brasileiro. Nada mais do que isso. Escrevi mais de 50 peças e me sinto bastante realizado e em boa companhia quando penso na rapaziada que veio antes de mim e nos que estão aparecendo agora. Quanto à montagem, não muda praticamente nada. É uma peça que escrevi nos anos 90 e que se passa nos anos 90. Não atualizei nada para essa montagem. Só o elenco que mudou. O único ator que trabalhou na montagem de 2.000 e está nessa montagem é Paulo Jordão, interpretando o mesmo personagem que sempre interpretou.
Luiz Ribeiro – O que eu acho mais espetacular no trabalho da contracultura é um entendimento que tu tem demais de que tudo que existe faz parte de uma coisa que faz o mundo rodar pra ficar exatamente como é. A contracultura é contra a própria roda, de certa forma. Como é que você vê o cenário do teatro, do rock (sua banda, né?) e da arte em geral para esses artistas “malditos”?
Mário Bortolotto –Se estou inserido nessa gang de malditos é porque fiz por merecer. Eu lembro que o saudoso Ademar Guerra um dia mandou essa pra gente: “Vocês não são um Grupo de Teatro. Vocês são uma Gang de Rock and Roll”. Eu concordo com ele. Nós sempre estivemos à parte, fiéis aos nossos princípios, nossos heróis e nunca tentamos nos inserir em nenhum outro grupo ou aderir a qualquer moda. Éramos muito jovens quando começamos a fazer teatro. Os anos passaram, mas nós continuamos os mesmos. E enquanto eu estiver por aqui, vou continuar tocando na mesma velha guitarra os velhos riffs que aprendi há muitos anos. Por baixo de todo ruído, é possível ouvir a canção. E ela continua me emocionando.
O espetáculo conta a saga da família Castilho, especializada em roubar automóveis. Logo no início do espetáculo o patriarca da família é enterrado pelos irmãos. A partir daí a família passa por uma ameaça de desintegração total que culmina no envolvimento dos três irmãos com a mesma mulher. São personagens sem grandes aspirações movidos por pequenos interesses. Os personagens periféricos à história também rezam pela mesma cartilha (um go-go boy decadente, um gangster de quinta categoria e a fatia feminina da família Castilho que é uma garota de programa que anota em uma caderneta os nomes de seus casos extra-curriculares).
FICHA TÉCNICA
Texto, direção, sonoplastia e iluminação: Mário Bortolotto
Elenco: Carcarah (Lupa), Rebecca Leão (Sílvia), Eldo Mendes (Monk), Daniel Sato (Slide), Alexandre Tigano (Love), Débora Stérr (Magali), Paulo Jordão (Guto), Ian Uviedo (Suruba)
Cenário e Figurino: Grupo Cemitério de Automóveis
Operação técnica: Ademir Muniz
Operação de Sonoplastia: Pablo Perosa
Fotografia: Edson Kumasaka
Programação visual: João Pirolla
Assessoria de imprensa: Bruno Motta Mello e Verônica Domingues – Agência Fática
Produção executiva: Carcarah
Direção de Produção: Isabela Bortolotto e Paula Klaus – Baleia Mecânica
SERVIÇO
Nossa vida não vale um Chevrolet, de Mário Bortolotto
Temporada: 27 de abril a 8 de maio, de quarta a sábado, às 21h e domingo, às 20h
Novo Teatro Cemitério de Automóveis – Rua Francisca Miquelina, 155, Bela Vista
Ingressos: R$40 (inteira) e R$20 (meia-entrada)
Venda online através do sympla do Cemitério de Automóveis: https://www.sympla.com.br/produtor/cemiteriodeautomoveis
Classificação: 16 anos
Duração: 70 minutos
Capacidade: 50 lugares
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