Catadoras se inspiram na escritora Carolina de Jesus para produzir sua própria literatura

Quem leu a potente obra Quarto de Despejo, da escritora brasileira Carolina Maria de Jesus, acompanhou o dia a dia da autora entre sair para catar papéis e tudo que fosse deixado nas ruas, cuidar dos filhos e da casa enquanto separava um tempo para ler e escrever seus livros. A obra, que completa 60 anos desde seu lançamento, tem inspirado novas ideias e novos projetos, como este elaborado pela Flup – Festa Literária das Periferias.

A Flup, como é mais conhecida, realizou um processo formativo sobre a obra de Carolina de Jesus com enfoque na escrita de vida de mulheres negras. Com a chegada da pandemia, as oficinas tiveram que passar para o formato online e chegaram a receber 500 inscrições de 87 cidades do Brasil, assim como de países africanos e da França. Segundo a produção da Feira, a ideia é propor reescrituras de Quarto de Despejo com o objetivo de publicar um volume com a produção resultante, selecionada por uma banca de jurados.

Segundo matéria publicada pelo Estadão, uma parceria foi firmada junto ao Ministério Público do Trabalho, que estendeu o processo formativo para cooperativas de catadoras de material reciclável, o que possibilitou que um grupo de 20 mulheres fosse escolhido para compor uma turma que participava de palestras e trocam ideias em encontros virtuais, com orientação de um professor. A ideia é, ao fim do processo, publicar um livro com as histórias delas, escritas por elas mesmas.

De acordo com o curador da Flup, o escritor Julio Ludemir, “todas elas tiveram uma avó ou mãe que tiveram um ‘quarto de despejo'”, porém, “elas já estão na ‘casa de alvenaria'” compara o escritor com os dois primeiros livros de Carolina.

Ainda segundo o Estadão, as oficinas têm gerado uma grande comoção, servindo de ponte para o empoderamento e transformação dessas mulheres: “Essas mulheres nunca foram ouvidas em sua história. São histórias de muito sofrimento, de muita dor. Ninguém quer ser catadora de lixo. Nenhum dos filhos, inclusive os da pobreza, sonha isso. Depois de alguns desafios da vida, elas vão se reciclando, por intermédio dessa grande novidade que são as cooperativas, que reciclam a vida dessas mulheres. Elas vivem no entorno dessas cooperativas, as Carolinas pós-modernas já não estão revirando lixo para comer.”

O ministrante da oficina é o professor da Faculdade de Letras da Universidade Federal do Rio de Janeiro Eduardo Coelho. “Elas já têm muitas ferramentas narrativas por conta da relação com uma literatura oral”, explica o professor. “Meu papel é dar consciência que elas já possuem narratividade. Aponto diálogos, ideias de conversar com o leitor… Certos recursos literários que elas já têm e usam intuitivamente. Procuro dar consciência de recursos que elas já podem explorar. Porque apenas a experiência não é necessariamente literatura. Experiências elas têm e muitas. Epopeias, histórias inacreditáveis de superação, dificuldades que elas passaram. Fora o fato de que a língua é poder: ter mais domínio da escrita é um aspecto muito poderoso.”

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