Analisando o novo filme da Pixar “Dois Irmãos: Uma Aventura Fantástica”

Antigamente, eu e meus amigos costumávamos discutir qual o melhor e pior filme da Pixar, e era difícil encontrar um que fosse ruim além de Carros. Até mesmo a série dos automóveis falantes teve um primeiro filme bem elaborado para o público, acontece que ninguém era muito fã do tema em si. Então foi lançado O Bom Dinossauro, o qual posso ter sido um defensor não-muito-assíduo, mas definitivamente alguém que considerava (considera) o filme como apaixonado, sensível e de uma proposta sincera. E antes disso, havia eventuais reclamações de Valente que pessoalmente achei interessantes, apesar de amar o filme, é válido entender a mudança drástica de uma narrativa sobre relação familiar para uma genérica e bobinha de alguém antropomorfizado em busca do elixir restaurativo (ufa).

Bem, tudo isso para dizer que enquanto antes era mais fácil ver os filmes da Pixar porque raramente falhava e nos mostrava uma ótica diferenciada dos clássicos de princesa-jornada-do-herói-musical de sua parceira Disney, agora parece que as duas se aproximam. Ou seja, isso significa que produções da Disney estão melhores, e produções da Pixar estão piores. Se eu defendia O Bom Dinossauro, aceitava Carros e entendia os problemas de Valente, agora temos um que é difícil defender por uma série de motivos que vão ser listados em breve. Antes eu quero falar sobre uma semelhança inusitada.

É óbvio que narrativa de Dois Irmãos não foge da forma de narrar um filme de herói, é óbvio que os elementos temáticos vão existir em milhares de outras histórias, é óbvio que até sua proposta de parodiar essa estrutura fantástica não é novidade. Mas e se o filme se parecesse com outro da Disney que de longe parece ser totalmente diferente?

Eu estou falando do filme do Pateta.

Esse com o Michael Jackson cão antropomórfico, músicas dignas do Grammy e um Max símbolo 90’s kid radical passando pela adolescência. Veja bem: a história dos dois filmes tem aspectos parecidos majoritariamente pela ordem, a forma que são tratados os temas e sobretudo é uma comparação cômica. Tenha isso em mente.

Ambos começam com uma viagem inesperada…

a qual um está ansioso e foi o que sugeriu (Pateta/Barley) e outro meio que só aceita (Max/Ian). Ou encontra uma motivação um tanto egoísta depois (Max), ou só quer poder ver o pai outra vez já que ele nunca o viu (Ian).

A relação dos dois em foco é problemática…

e sempre fica num vai-e-vem entre Ian e Barley, do tipo “ah, até que você é legal” e “na verdade não, você é insuportável e estraga tudo”. Sendo que no filme do Max só é usado uma vez esse recurso e é uma problemática proporcionada exatamente pelo pai, enquanto com Ian é proporcionada diretamente pelo irmão – mas indiretamente pelo pai. O ponto é que os dois têm daddy issue, ok?

Tem esse mascote…

que encontram numa lanchonete da estrada e tem final “trágico” depois de os dois personagens principais ocasionarem isso.

Eles brigam por um percurso…

e usam interesses pessoais para decidir. Max quer um caminho para se divertir e achar que o pai é burro e estraga sua vida, Ian quer um caminho que seja seguro e tradicional, ainda achando que o irmão é burro e estraga sua vida.

Eles brigam de verdade por um decepcionar o outro…

e voltando ao tópico anterior, essa justificativa é pela diferença de opiniões e egoísmo. Pateta/Barley acelera o carro.

Têm crises e expõem os sentimentos…

e Pateta/Barley acaba freando e descendo do carro de uma vez, num ato de raiva. Logo antes Max/Ian tentara se comunicar com Pateta/Barley porque acabou passando do ponto e tratando-o realmente mal (Max mudou o mapa, e Ian disse que o irmão era inútil). Mas ambos acabam se resolvendo com conversa e uma boa música.

Por fim, passam por uma prova de confiança sobre um abismo…

sendo que no Dois Irmãos ainda tem muita coisa pela frente, e em Pateta O Filme é o clímax final, depois restando apenas as cenas de diversão no show do cantor.

Esse último tópico, inclusive, é um dos problemas do filme. O que existe depois é uma repetição enfadonha desse ponto da narrativa, acontecem provações essencialmente iguais, passam por revelações semelhantes e mudam de temperamentos que deviam ser mais engrandecedores. O sistema “perder-reconquistar a confiança” funciona numa série de vários episódios, mas não num longa metragem – a não ser que seja uma comédia romântica de mau gosto.

Isso se reforça quando Ian marca o último ponto da lista, em que nenhuma cena é mostrada no filme. Sem contar que as outras da lista mostradas são de momentos tão rápidos que parecem artificiais e previsíveis. Assim os roteiristas recorrem a imagens do passado para provar que o irmão sempre foi legal com ele – como se você já não tivesse certeza o suficiente.

Outros pontos precisavam de desenvolvimento, como a parte da escola e a relação de Ian com outros colegas da sua idade, a fim de dar aquela sensação de realização realmente forte. Funcionaria para ver mais daquele mundo, com saídas à lojas ou shoppings, mostrar os costumes engraçados, abraçar mesmo a paródia. Dar ênfase e maior peso no dragão (spoiler) também, que inclusive usa um avatar dos escombros da escola com o rosto do mascote.

Barley claramente exerce o papel de um guerreiro/cavaleiro na cultura do D&D (Dungeons and Dragons), mas isso não fica evidente, deixando só para as pessoas que conhecem esse gênero perceberem isso de leve e também com vontade de ver mais. Era para ter isso: mais coisas, mais tempo, mais momentos em que a força e coragem fossem características do irmão mais velho, porque o foco exaustivo no irmão mais novo não é particularmente muito cativante.

No final vemos os problemas de todo mundo são resolvidos numa comoção feliz, mas o que fica meio confuso é a motivação de alguns como o centauro Colt, atual namorado da mãe dos garotos, já que em momento algum temos indícios suficientes de que ele vá adotar a nova vida sem carros e correndo por aí – outra coisa: como ele consegue dirigir um carro? É confuso porque o foco da destruição do dragão não foi na cidade em si ou as pessoas comuns, mas só na família e nos envolvidos diretamente com ela. A Mantícora precisava de mais desenvolvimento, mais verossimilhança com a ação dela em ajudar. Sendo sincero, o dragãozinho de estimação era pra ter mais desenvolvimento também, aquelas fadas motoqueiras eram pra ter mais desenvolvimento, até aquela senhora cobra da loja de penhores era pra ter mais desenvolvimento, qualquer coisa devia ter tirado um pouco o personagem Ian do foco e nas suas atitudes genéricas, ou trabalhar nele o suficiente para ser cativante.

Related posts

“Retratos da Leitura no Brasil”: Pesquisa revela que o brasileiro lê cada vez menos

17 Filmes brasileiros indicados pelo Selton Mello!

Marcelo Rubens Paiva revela que “Ainda Estou Aqui” só pôde ser escrito por causa da Comissão da Verdade do governo Dilma