As 17 melhores frases de Contos do Imigrante, de Samuel Rawet

Contos do Imigrante (1956), e Samuel Rawet, é um livro de contos do autor polonês naturalizado brasileiro. De linguagem radical que esgarça o gênero do conto, a obra trata, em sua maior parte, de imigrantes de religião judaica que precisam sair de suas terras, muitos deles por conta da terra, para recomeçar a vida em outros lugares. Assim, sem saber a língua, as regras sociais e vivendo a intensa solidão do exílio, se veem como seres sem referências e identidade. Além disso, Rawet trata também de outros tipos de “imigrantes” ainda que em sua própria terra, como uma vida à beira da morte, à perda de um amor, uma vida de marginalização, entre outros.

O NotaTerapia separou as melhores frases da obra. Confira:

Os silêncios que se sucediam ao questionário sobre si mesmo, sobre o que e mais terrível experimentara. Esquecer o acontecido, nunca. Mas como amesquinhá-lo, tirar-lhe a essência do horror ante uma mesa bem-posta, ou um chá tomado entre finas almofadas e macias poltronas?

A guerra o despojara de todas as ilusões anteriores e afirmara-lhe a precariedade do que antes era sólido. Só ficara intacta sua fé em Deus e na religião, tão arraigadas, que mesmo nos transes mais amargos não conseguia expulsar. (Já o tentara, reconhecia, em vão)

Calou. E mais do que isso, emudeceu. Por que insiste tanto? Ouviram a palavra, e não repararam que se ia colocando numa situação marginal.

Onde os olhos, onde os olhos que mudos traíram o grito animal?

Entrara em local onde o tempo estava morto e onde não a compreenderiam mais. Estagnação.

Impossível negar o passado. Sabia, porém,que impossível, também, é o retrocesso.

Ao ser golpeado pela brisa sentiu uma alegria infantil de quem descobre mundos novos numa velha caixa de sapatos, de quem, após luto, redescobre pequenos detalhes alegres no ambiente cinza que o cercava.

Quando atravessou o portão acelerou a marcha impelido pelo desejo de ser homem já.

Os vultos cerrados dos seus ondulavam pela casa em estranhas curvaturas. Flávia parecia poiar em algum rio com as formas oscilantes, e o rio era seu mesmo.

Triste as tardes em que cansada buscava a casa. Curto, agora, o caminho que antes se alongava em voltas e torneiros até que se extinguissem as palavras. E depois das palavras havia os silêncios, pois a ninguém perturbava o linguajar dos dedos enlaçados.

E quanta terra vazia, meu Deus! E a luz que não apagam? Um papel de cor, pelo menos. Pedir é incomodar.

Morreria. Aterradora certeza há tanto alimentada. Transparente como o frasco suspenso graduando-lhe o soro. Pasmava-se com o espanto ante o irremediável, e ele que nunca se puderia espantar já que há anos a ideia da morte bitolava-lhe os pensamentos em horas de crise.

“Velho sem religião”. Nada fizera para perdê-la, tinha a certeza. Apenas se aquietara na apatia serena que não exige maiores explicações, fruindo dos sentidos ainda vivos as alegrias que antecedem o corpo morto, a carcaça, focinhando a terra.

Teria a noite dentro de sua noite, como quem sonha que está sonhando.

as meninas que têm tranças e as que não têm, as que já namoram, e as que o querem, as que rondam calçadas à espera de assovios e se aborrecem quando os ouvem, as que esperam gracejos e se arrependem, as que se casaram e as que inda não, que já não tem filhos que esperam, as que sonham e as que não sonham, as que ouve novelas de rádio e as que vivem, as que cantam sambas em programas de calouros, e as que ouvem.

Vinte anos lisos e amargos que principiavam a aterrá-lo. Diabo pensar na vida. E ele nunca tinha pensado. Ou quando o fizera esquecera-se das cifras.

E ao acordar, já seria tempo de pensar na vida, pois é duro aguentar vinte anos dum modo besta.

Edição: Ediouro, 1998, 2ª Edição

Related posts

Estudante de 73 anos defende Trabalho de Conclusão de Curso e conquista nota máxima na Universidade Federal do Rio Grande

Professor mineiro faz sucesso nas redes sociais ao utilizar paródias musicais para ensinar língua portuguesa

Trabalhadores rurais são alfabetizados em 100 dias no interior de Minas Gerais