Os 14 melhores poemas de Líria Porto

Líria Porto (1945) é professora aposentada e poeta mineira. Sua estreia literária só ocorreu aos 60 anos, porém sempre foi uma ávida leitora. Possui dois livros editados em Portugal Borboleta desfolhada e De lua e, no Brasil, publicou Asa de passarinho, Garimpo, Cadela prateada e Olho nu.
Asa de passarinho e Garimpo foram ilustrados pela artista Silvana Menezes e se tornaram, em 2014, livros voltados ao público infanto-juvenil. Garimpo foi finalista na categoria poesia do Prêmio Jabuti em 2015. Em 2016, publicou a obra Cadela prateada, direcionada para o público adulto e, em 2017, Olho nu. Além de ter seu próprio blog Tanto Mar, participa também de diversos sites, jornais e revistas na internet como Escritoras Suicidas, Germina Literatura e Mallarmargens. Líria possui muitos poemas curtos e escreve sobre coisas simples com uma linguagem objetiva e irreverente.

Algumas frases já circularam bastante nas redes sociais:


 

Confira alguns poemas da autora:

predestinados
nas teias nas brenhas nas entranhas
o mistério o destino
a sina

eu não te esperava mais
esculpiste sozinho a tua vida
e cá estamos nós – olhos nos olhos
bebendo do mesmo copo
na mesma esquina

 

descobrimento
a infância é um barquinho
a transportar nossos sonhos
da enxurrada até o rio

a juventude um caiaque
a descer a correnteza
sem pensar em desembarque

a velhice é caravela
terra à vista

 

flerte
olhava a lua
a lua me olhava
e esse namoro
dispensa palavras
semeia no ar
os silêncios as pausas
dos grandes amores
daqueles que cabem
em quartos minguantes
em espaços mínimos

 

limitações
a morte não chega
a vida não basta

não quero não queiras
ser ave sem asas

 

pitbulls
nem havia cercas
depois fincaram estacas
esticaram arames
levantaram muretas
muros altos
puseram cacos de vidro
fios elétricos
e por último
uns rolos de aço
pontiagudo:

ninguém mais
dá bom-dia

 

resgate
sou refém da lua cheia
ela entra pelo quarto
conhece-me os beijos
os cheiros guardados
as sombras e crateras
do meu cativeiro
sou refém da meia-lua
ela me sabe os pedaços
as tristezas os segredos
invade-me à madrugada
assiste o amor arder
sem endereço
sou refém de mim
a lua é pretexto

 

boca da noite
depois de beijá-la o sol decretou
a lua é frígida — e condenou-a
à solidão das virgens:

o sol é estrela
de quinta grandeza

 

traumas
tantos fatos
decorrentes
das correntes
da memória
são imbróglios
são algemas
que nos prendem
a nós próprios
e nos tornam
tão parados
e inativos

quanto as rochas

 

abissal
entre o vazio e o nada
havia a sua morada
buraco desse tamanho

numa noite mui largada
chorou um mundão de lágrimas
as águas do oceano

 

garimpo
esta procura tem um nome insanidade
passei da idade de tentar fazer sonetos
eu só consigo descrever cinzas e pretos
acho que o verso não alcança claridade
pelas gavetas prateleiras escondidos
ainda agarro pelo rabo alguns cometas
quero as estrelas não encontro suas tetas
sinto a fissura dos pequenos desvalidos
a minha escrita sempre foi penosa esgrima
desde menina que não tenho paradeiro
eu caço sapo com bodoque o dia inteiro
nesta esperança de catar melhores rimas
vasculho as glebas os grotões e quem diria
bateio o sol chego a pensar que a noite é dia

 

rebanho
há almas
que marcam nosso corpo
com ferro e fogo

há corpos
que fincam em nossa alma
a eternidade

 

da última vez
meu coração sorrateiro
faz canção de bem-te-vi
e ao som de um bolero
no laço do teu abraço
vira flor de sabugueiro
cheiro de mato
capim bravo
com a sede do deserto
pede água chega perto
rodopia tem vertigem
tem inocência de virgem
recebe a ti todo
inteiro
(não desmaiei
eu morri)

 

fino calibre
a rima arretada
sem volta ou floreio
busca a direção do peito
o verso direto
sem curva ou rebusco
tem a precisão do furo
poema
ou tiroteio?

 

fluidos
tornei-me assim liquefeita
quando daquela feita
despi-me de nãos e sins
de mim então me perdi
nessa vontade inconclusa
acumulada no rim
ficou a mágoa comigo
fincada dentro do umbigo
quase criava raiz
minha tristeza de chuva
esta amargura profusa
tem olhos túmidos
sou tal e qual o dilúvio
derramo transbordo enxurro
sangro os pulsos

 
 

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