Uma crônica para outubro: Pedro e a loba

Pedro foi enfático ao dizer que mulheres não são seres de fora, são bem humanos. E isso significava estarem para igual. Definiu que, em face oculta de desespero da natureza, estiveram elas sempre nas práticas do ar, do fogo e de tudo o mais, porque bem haveria de trazer duzentas coisas e não completar seus feitos, mas ainda assim: iguais. Tratar de fora o que é o mesmo é tão errado quanto devanear sobre estruturas do corpo sem qualquer tato; é bizarro como homens, pensou Pedro, é bizarro como homens… Que pensando nos corpos faziam o movimento da mão de juiz-em-tribunal e choravam choravam, sozinhos, sobre o leite derramado. É muito mais santo permanecer na estrutura dos dedos em movimento, do que enfiá-los por aí. Pensava em enfiar os dedos num caldeirão que encontrara outro dia na floresta.

Conversavam em euforia sobre nudez. Paravam ali, nas falas, embora quase desprovidos de peças de pano a cobrir-lhes os corpos, na mais profunda santidade se vistos de fora. Falaram de danças, então.

As danças constituíam uma série de esforços absurdos em mover os pés, voltavam e conversavam com propriedade sobre raízes. Medicinais? Não, de “origens, origens!”, ela dissera, movimentos, tudo em face oculta, assim mesmo, como se lê. Aquele que guarda segredo está sempre um passo à frente numa brincadeira de esconde-esconde: fingem, colocam portas para abri-las pela metade e ficar atrás, esperando gente desavisada que não está na brincadeira para assustar. Assustou-se com a mulher, outro dia, por achar que ela tinha mais pelos que o normal.

Pedro foi enfático ao repetir que mulheres não são seres de fora, são bem humanas. E isso significava estarem completamente desiguais.

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